20050423

Afinal, em que ficamos?

O Dr. António Arnaut divulgou ter recebido uma lista de três mil e tal supostos informadores da ex-PIDE/DGS, alegadamente r(d)etido por um irmão da GOL.
Entregue que foi um documento (com uma lista) na Torre do Tombo, após uma análise perfunctória do mesmo, constatou-se que não é mais do que uma lista de contactos.
Entretanto, pela PGR foi aberto um processo para averiguar a responsabilidade de quem reteve o dito documento, durante quase trinta anos.
Teria sido mesmo esse o documento anunciado com tanto espavento?
Em que ficamos?

20050421

Os discursos, o aborto e o referendo dele

Desde os finais dos anos setenta que o Prof. Costa Andrade expôs - a meu ver de forma tendencialmente definitiva -, os aspectos e implicações jurídico-criminais atinentes à IVG, no seu notável estudo «O aborto como problema de política criminal», (Revista da Ordem dos Advogados, Ano 39, Maio-Agosto de 1979, pp. 293 e segs.):

«(...) a política criminal determina-se por critérios de eficácia e de rentabilidade. Sem que tal implique a recusa de todo o lastro ético, a política criminal deve concretizar-se em soluções dirigidas à maximização do conformismo e dos ganhos sociais e à minimização dos seus custos.
Assente, v. g., que o aborto constitui um acto em si irrecusavelmente negativo e intrinsecamente mau, daí não decorre axiomaticamente a necessidade da sua criminalização. Entre aquela constatação e esta injunção de política criminal medeia uma solução de continuidade e um salto qualitativo que só podem vencer-se se, e na medida em que, se concluir que a criminalização do aborto é um instrumento efectivo de prevenção e não acarreta consequências disfuncionais significativas.».

Mais recentemente, o Pedro Caeiro veio - no www.marsalgado.blogspot.com - recolocar as mesmas questões, a uma luz mais actual.
Muito do ruído discursivo-parlamentar produz-se por não se ter em devida conta esses preciosos documentos, que, em termos técnico jurídicos, esgotaram a questão. Esta, agora, só pode ser política: envolve opções claras. Contra um referendo claro mas não vinculativo, pretende-se «nova auscultação do sentir do povo», com os argumentos e fundamentos mais tortuosos que se possa imaginar. Refugiam-se os seus promotores em argumentos de pacotilha, honra seja feita á posição do PCP, coerente com a sua doutrina de sempre.
O PS, empurrado pelo BE, deixa-se arrastar para o que poderá ser uma grande escorregadela.
Entretanto, o que se tem feito em matéria de planeamento familiar?
Isso é assunto menor, muito menos importante do que a espuma dos dias de um debate par(a)lamentar.
Ora bolas!

20050419

Mesquita grande

























Neste raso Olimpo argamassado em febre
E coral, o Deus maior sou eu. Por mais
que as pedras, os muros e as palavras afirmem
outra coisa, por mais que me abram o corpo
em forma de cruz e me submetam a árida

voz às doces inflexões do contochão latino,
por mais que a vontade dos pequenos deuses
pálidos e fulvos talhe em profusas lápides
o contrário e a sua persistência os tenha
por Senhores, o sangue que impele estas veias

é o meu. Pórticos, frontarias, o metal
das armas e o Poder exibem na tua sigla
a arrogância do conquistador. Porém o mel
das tâmaras que modula o gesto destas gentes,
o cinzel que lhes aguça a madeira dos perfis,

a lenta chama que lhes devora os magros rostos,
meus são. Dolorido e exangue o próprio
Cristo é mouro da Cabaceira e tem a esgalgada
magreza de um velho cojá asceta.

Raça de escribas, mandai, julgai, prendei:
Só Alah é grande e Maomé o seu profeta.

Rui Knopfli

Bento XVI


Habemus Papam: o «braço direito» de João Paulo II, o guardião do dogma, o patrono da Congregação para a Doutrina da Fé, foi hoje eleito Papa pelo Colégio de Cardeais.
Mas foi também o homem que «interrogou e baniu» Leonardo Boff, Hanz Kung e outros teólogos católicos, retirando-lhes o ministério religioso e que disse que será errado incluir a Turquia na Europa.
Como crente cristão, talvez tivesse rejubilado mais com a eleição de um Papa do Mundo que passa fome, como forma privilegiada de alertar para os problemas do hemisfério Sul.
Nada que me inquiete por aí além. O cargo é suficientmente responsabilizante para não admitir diferenças no essencial, entre os seus titulares.
Citando João Paulo II, na sua grande mensagem: «Não tenhais medo».
Salve Bento XVI.

Outros Discursos são precisos

O discurso jurídico padece, cada vez mais, da falta de contributos de outros discursos.
Os trabalhos jurídicos são, com excepções contadas, monumentos autenticamente cabalísticos: o que conta é o auto-convencimento e uma pretensa erudição.
Mas as práticas não são desmerecedoras dessa constatação.
O Direito não se pode fechar à realidade. Precisa dela, e dos seus outros saberes, para se afirmar. E os seus intérpretes e aplicadores arriscam-se a não ter essa noção, o que é grave. Ou, mais prosaicamente, a não a querer ter, o que é (ainda) mais grave.
É tempo de (re)lembrar isso.

20050418

Muipíti




















Ilha de Muipíti
olho de terra no mar
alheio ao seu corpo


Jall Sinth Hussein
BASMA (72)

Presunções

No debate actual sobre o(s) modo(s) de (re)edificar o Estado de Direito, é recorrente apontar-se a necessidade de se afirmar a sua «presunção de credibilidade», face à «presunção de inocência» dos cidadãos.
Num contexto de privatização das funções (mesmo das sociais) do Estado, em simultâneo com a socialização dos riscos (ou mega-riscos), isso será possível?

Medo da morte

Eu não tenho medo da morte,
mas quando ela vier
preferia estar noutro lugar.

Woody Allen

Daqui, desta Lisboa





Daqui, desta Lisboa compassiva,
Nápoles por Suíços habitada,
onde a tristeza vil, e apagada,
se disfarça de gente mais activa;

Daqui, deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;

Daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira da vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,

do ramudo tristôlho que se apaga;
Daqui, só paciência, amigos meus !
Peguem lá o soneto e vão com Deus...

Alexandre O´Neil

Sim, houve um tempo

Sim, houve um tempo
em que os deuses espreitavam pela janela,
e nós, fantasmas na orfandade
vagueámos sós,
num solo exangue

prescindindo de toda a súplica,
cambaleantes
na dilacerante sofreguidão
da abundância do vazio.

Do uso livre das palavras

Do uso das palavras livres

É um esboço de «Road-book», chamemos-lhe assim: propomo-nos um espaço de ideias e discussão livre, invariável exposição do pensamento, sem receio, mas com elegância. A alarvidade fica à porta.
É possível que se escreva sobre Arte ou Sociedade, Direito ou Ciência. Vai depender do fluir dos eventos que nos convoquem à reflexão, à crítica, ao comentário.
Não sabemos por onde ir, não sabemos como ir. Sabemos não ir por alguns trilhos.
O caminho faz-se caminhando.