20070918

A «Revolução» da República Penal

Muitas vezes, os editores dos jornais nem sabem o que escrevem. Esta notícia é disso exemplo.
Há "alarmismo corporativo", no que respeita à entrada em vigor das alterações do Código de Processo Penal? Talvez algum (embora no essencial ache correctas as posições tomadas por parte de académicos, magistrados e agentes policiais).
Mas há mais análises a fazer.

A questão, agora, é que as consequências potencialmente desastrosas que algumas dessas alterações vão implicar, terão graves repercussões na vida social e na relação dos cidadãos com o sistema judiciário, o único que vêem como escrutinável e imputável pelo estado de coisas a que se pode chegar. E será dificilmente compreensível para o cidadão, como certas coisas se irão passar.

O interesse dos cidadãos é o que seria suposto estar na base de qualquer aperfeiçoamento de um sistema processual com a importância do que tem o sistema de investigação criminal.
Neste caso, manifestamente - hélas - nada disso se verifica: num momento em que se fazem sentir exigências de maior segurança colectiva (mesmo sem histerias político-mediáticas de securitarismo), o sinal é de um enfraquecimento da reacção do Estado perante a violação da Lei. Numa época em que se apregoa a informalização e a informatização (Simplex) de todos os procedimentos da administração pública, burocratiza-se, em níveis inauditos, o processo penal, com actos dilatórios e inúteis.

O equilíbrio que tinha sido encontrado, ao longo da vigência do C.P.P. de 1987 (é, já tem 20 anos) não justifica muitas das soluções agora plasmadas nas alterações da Lei n.º 48/2007.

Por último, aquilo que sempre se disse, de que "os «casos concretos» não devem implicar a mudança das leis, etc, etc", veio a ser meridianamente desmentido.

E mais, quando se culpavam os operadores de ter culpa na «interpretação da lei contra a Constituição», afinal o que se queria era outra lei.

Ela aí está!

3 comentários:

Justa Causa disse...

As leis são sempre alteradas em função de casos concretos.
Foi preciso alguém ir preso para se fixar jurisprudência no sentido de só ser possível aplicar a prisão preventiva depois de o juiz ter falado com o arguido, por exemplo.

Azar é quando são alteradas PARA casos concretos.

Mas ainda ninguém disse que era o caso, nem parece ser.

Justa Causa disse...

Pode ser que tenhas razão na última parte do teu post quando dizes que não se tratava de conformar a lei com a constituição mas de criar outra lei.

O exemplo que dei da prisão preventiva sem conceder o direito de audição prévia ao arguido serve para este caso de uma forma negativa, ou seja, no sentido contrário ao da tua asserção.
Do mesmo modo que a estatuição da forma de proceder a interrogatórios de arguidos: agora o CPP explicita o que já era norma, embora não expressa, antes.

MAS:
A grande alteração deste CPP é a inversão do sentido do segredo de justiça. E esta sim é uma novidade estrutural.
Esta é que me parece ser a grande alteração desta Lei, o resto são explicitações de normas que por não estarem expressas por vezes geravam confusão.
Houve umas alterações de prazos de prisões preventivas, mas isso não foi radical.
O resto, por exemplo o facto de o Juiz não poder aplicar medida de coacção mais gravosa que a pedida pelo MP, por exemplo, já estava em vigor, tratou-se agora de a pôr de forma inequívoca.

A inversão do sentido do segredo de justiça é que me parece que mexe com a estrutura do código.
Parece que a fase inquisitória do processo (como o nome indica o inquérito) deixará de o ser, a investigação será aberta ao arguido, ao contraditório. Quando o processo sai da fase de inquérito e entra na fase de julgamento já está sujeito ao contraditório.
Bom, mas se é assim então algumas formas de aquisição de prova no inquérito deveriam ser válidas para a sua manutenção em todo o processo, e isto é um passo no sentido de uma alteração radical.
Esta sujeição do processo logo desde a fase de inquérito ao contraditório, que era reclamada há muito por várias pessoas que se debruçavam sobre o Código, nomeadamente profissionais do foro, implica uma nova filosofia na abordagem do Código.

E esse não tenho a certeza de ter sido um passo na direcção certa, mas é seguramente um passo.
A manutenção do inquisitório puro e duro na fase de investigação (excepto no que toca a medidas de coacção e outras semelhantes) poderia trazer benefícios para o arguido.
É que com esse sistema dual, inquisitório numa primira fase mas sujeito o contraditório na fase de julgamento, esta sujeita ao inevitável princípio do acusatório, não havia qualquer responsabilidade do arguido na investigação.
A aplicação do contraditório nascia com uma petição contra o arguido e não antes, o que se discute é tão só a acusação. A prova produzida no inquérito sem a aplicação do contraditório tem de ser repetida em julgamento.

Ora esta alteração do segredo de justiça, tornando-o a excepção e não a regra, que vai permitir o exercício do contraditório na fase de inquérito se a aplicação da Lei resultar em todo o seu alcance, é de facto uma nova filosofia e vai ter muito impacto (talvez não tão mediático como outras).

Justa Causa disse...

Talvez uma questão a considerar seja a seguinte:
Esta versão do CPP é mais próxima das ideias liberais que a anterior.
Apesar da negação do responsável pela Unidade que o elaborou parece-me que há aqui um pouco de consideração dos direitos do indivíduo face ao Estado, os direitos individuais como direitos oponíveis o Estado, o que me parece ser uma ideia mais próxima das ideias liberais que as que informaram grande parte da nossa legislação penal mais recente.
Mas isso não será contraditório com a elaboração de normas como a do actual artigo 30º. 3 do Código Penal?
Ou seja, reforma-se o CPP no sentido da maior responsabilização do arguido (um acréscimo de direitos implica um acréscimo de deveres, como argumentei no meu anterior comentário) para afinal aplicar um CP que é reformado num sentido iliberal, num sentido corporativo, da sanção penal.