20080830

De novo, os «incaucionáveis»?

Por anúncio do ministro Rui Pereira, a lei das armas vai ser alterada, de forma a que os crimes cometidos com arma de fogo sejam passíveis de prisão preventiva e a detenção, para apresentação ao juiz seja efectiva.
Ignora-se se serão os crimes cometidos com armas de fogo legais. Presumindo que se refere apenas às armas ilegais (?!), na sua maioria, a tais crimes é já aplicável a prisão preventiva.
Não o é nos casos de mera detenção de armas de fogo ilegais mais vulgares (em que, nos termos do art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, a pena máxima é de três anos de prisão).

Essa medida cheira, portanto, a uma satisfação da opinião pública e a uma pseudo-tranquilização da sociedade, através de um expediente legal manhoso, avulso, sem eficácia real e que esbarra num juízo de clara inconstitucionalidade (por frontal violação do art. 27.º, n.º 3, al. b) da Constituição), a menos que alterem a disposição incriminatória referida (aumentando a pena aplicável).
E tresanda a um discurso de patética desorientação, de medidas erráticas no combate ao crime violento, e de manifesta incapacidade política e de diagnóstico de prevenção dos fenómenos, invocando-se, uma vez mais, o arsenal do direito penal e a exasperação da punição, depois de alguns anos de tendências "hipergarantísticas" do arguido (PGR dixit) e de uma clara assunção de um programa político de desencarceramento e de cínico alívio da posição processual dos arguidos. Para além, claro está, da contradição intestina dos membros do governo responsáveis pelos sectores em questão.

Sempre que o governo assume que «estas não são as suas magistraturas», reconhece implicitamente a falência da suas políticas de segurança e de política criminal.
É que a política criminal não se esgota, como atabalhoadamente o governo e a sua maioria pretenderam fazer crer, com as Leis n.ºs 17/2006 e 51/2007 (que são, apenas, e quando muito, um esboço atamancado e atomístico de uma «lei da política-criminal do Ministério Público»).
A política criminal é algo de muito mais vasto e complexo, indo da política de prevenção do crime, à da reinserção social.
Mas o que, então, interessava era, apenas, «pôr o Ministério Público na ordem», de forma a impedir a repetição de "afrontas processuais" a notáveis e gente gra[ú]da do poder.

O resultado está à vista.
Quem semeia ventos...

O Secretário-Geral II

O juiz Conselheiro Mário T. Mendes foi designado para o cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.
Parabéns sinceros a Mários Mendes e votos para que leve a «bom porto» o árduo trabalho que o deve esperar.

20080827

O secretário-geral

A temida figura de secretário -geral do Sistema [Integrado] de Segurança Interna, arrisca-se a ser mais um cargo de intendência, um mordomo de protocolos, do que outra coisa.

A publicação da Lei n.º 49/2008, de 27-8, veio desfazer todas as dúvidas, a esse respeito.
O cargo - que não se diz como será provido - inclui uma inaudita forma de definição de competências. São mais as coisas que não pode fazer do que as que deve fazer. Veja-se o que dipõe a lei a propósito das suas competências, enquanto orgão coordenador das polícias.

Artigo 15.º
Sistema de coordenação

1 — A coordenação dos órgãos de polícia criminal é
assegurada pelo secretário -geral
do Sistema de Segurança
Interna, de acordo com as orientações genéricas emitidas
pelo conselho coordenador dos órgãos de polícia criminal
e sem prejuízo das competências do Ministério Público
.
2 — Compete ao Secretário -Geral, no âmbito da coordenação
prevista no número anterior e ouvidos os dirigentes
máximos dos órgãos de polícia criminal ou, nos diferentes
níveis hierárquicos ou unidades territoriais, as autoridades
ou agentes de polícia criminal que estes designem:
a) Velar pelo cumprimento da repartição de competências
entre órgãos de polícia criminal de modo a evitar
conflitos;
b) Garantir a partilha de meios e serviços de apoio de
acordo com as necessidades de cada órgão de polícia criminal;
c) Assegurar o funcionamento e o acesso de todos os
órgãos de polícia criminal ao sistema integrado de informação
criminal, de acordo com as suas necessidades e
competências.
3 — O secretário -geral não pode emitir directivas, instruções
ou ordens sobre processos determinados.
4 — O secretário -geral não pode aceder a processos concretos,
aos elementos deles constantes ou às informações
do sistema integrado de informação criminal.

Esperava-se que esta figura pudesse funcionar como uma "charneira", entre as polícias, o governo e o Ministério Público, para o que teria um inegável interesse e, mesmo, justificação.
Afinal, nem poderá aceder a informação que estará acessível às entidades que vai coordenar...

Secretário-geral para quê?

20080820

Mas...«a segurança está assegurada» (governadora civil de Lisboa dixit)

Uma carrinha de valores atacada na Auto-Estrada A2 por 5 indivíduos em três veículos de alta cilindrada, e aberta com uso de explosivos.

Diversos ourives assaltados nos últimos dias.



Está cada vez mais claro que, há um ano, alguns deputados, no afã de aprovar fotograficamente medidas no Cód. de Processo Penal que impedissem a repetição de ocorrências do «processo CasaPia», se esqueceram de que havia outra criminalidade...

20080819

A vida, como ela é?

«Uma juíza de Felgueiras disse que estilo de vida dos ciganos era “pouco higiénico”.
A Comissária para a Imigração vai queixar-se de sentença sobre comunidade cigana» -
30.07.2008 - 19h47 (Lusa);
O Alto-Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural vai queixar-se ao Conselho Superior da Magistratura da sentença de uma juíza de Felgueiras que considera o estilo de vida dos ciganos como pouco higiénico e “subsídio-dependente”.
A Alta-Comissária para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI), Rosário Farmhouse, escusou-se a comentar a sentença, mas disse que as considerações “genéricas” sobre a comunidade cigana têm um “teor marcadamente xenófobo”.
“Fiquei, estou absolutamente perplexa como é que numa sentença se fazem acusações tão genéricas relativas a uma comunidade, tomando a parte pelo todo. Uma coisa é adjectivar a conduta dos arguidos (da qual me abstenho) e outra coisa é tomar toda uma comunidade com cerca de 50 mil pessoas pelo comportamento destas cinco pessoas, destes cinco arguidos”, disse Rosário Farmhouse.
A Alta-Comissária avançou ainda que, depois de recebida e analisada a sentença, o ACIDI vai remeter uma queixa da juíza ao Conselho Superior da Magistratura, órgão de gestão, administração e disciplina dos juízes. “Assim que tivermos a sentença, e depois de analisada, ponderamos a hipótese de fazer uma queixa ao Conselho Superior da Magistratura”, afirmou a responsável, que disse ainda ser a primeira vez que o organismo que dirige apresenta uma queixa semelhante.
“Só tenho a lamentar que neste Ano Europeu do Diálogo Intercultural, em 2008, seja possível assistirmos em Portugal a afirmações deste teor, marcadamente xenófobo”, reforçou Rosário Farmhouse. “Realmente estou espantada, estou perplexa e assim que tiver a sentença vamos de certeza tomar uma posição mais frontal. Assim que tivermos a sentença e depois de analisada iremos remeter uma queixa”, frisou.
A juíza Ana Gabriela Freitas, do Tribunal de Felgueiras, proferiu ontem uma sentença em que considera que a comunidade cigana tem um estilo de vida com “pouca higiene”, é “traiçoeira” e “subsídio-dependente”. “Pessoas mal vistas socialmente, marginais, traiçoeiras, integralmente subsídio-dependentes de um Estado a quem pagam desobedecendo e atentando contra a integridade física e moral dos seus agentes”. Foi desta forma que a juíza Ana Gabriela Freitas, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, se referiu aos cinco elementos de etnia cigana acusados de agredir diversos agentes da GNR.
Ana Gabriela Freitas, na leitura da sentença, teceu considerações não só aos cinco acusados da agressão aos agentes da GNR de Felgueiras, mas também generalizou a toda a comunidade cigana. “Está em causa o desrespeito da autoridade e, por arrastamento, a própria administração da Justiça como flui com particular ingência dos recentes acontecimentos da Cova da Moura, Aziaga do Besouro, Quinta da Fonte e ainda culminando com a agressão selvática dos agentes da PSP em Abrantes”, referiu a juíza na fundamentação da sentença.
Na base da sentença estão acontecimentos ocorridos no dia 7 de Janeiro de 2006. Um grupo de cidadãos de etnia cigana estava a fazer uma festa no Bairro João Paulo II, em Felgueiras, com música alta e disparo de tiros com armas de fogo. A GNR foi chamada ao bairro, a que a Juíza chama “Cova da Moura cigana”, para pedir silêncio. Contudo, moradores e agentes da GNR envolveram-se em agressões físicas e verbais.
Na sentença, Ana Gabriela Freitas deu como provado que, durante os acontecimentos, “as mulheres e as crianças guincharam selvaticamente e bateram e chamaram nomes” aos agentes. Os cinco homens de etnia cigana foram todos condenados a penas de prisão efectiva e ao pagamento de indemnizações mas recorreram da sentença. Para elaborar a sentença, “socorreu-se o tribunal das regras de experiência no que toca ao elemento intelectual e volitivo do dolo inevitavelmente associado aos useiros e vezeiros comportamentos desviantes e percursos marginais dos arguidos e do seu pouco edificante estilo de vida”.
No levantamento sócio-económico da vida dos arguidos, Ana Gabriela Freitas escreveu no processo que as condições habitacionais “são fracas, não por força do espaço físico em si, mas pelo estilo de vida da sua etnia (pouca higiene)”. Desta forma, Ana Gabriela Freitas salientou ainda não se vislumbrar “a menor razão para acolher a rábula da ‘perseguição e vitimização dos ciganos, coitadinhos!”.



Uma sentença não é um artigo de opinião.
A fundamentação de uma sentença deve ciscunscrever-se aos factos que ficaram provados no processo e a factos notórios. Serão as afirmações produzidas, relativamente à «comunidade cigana», factos notórios?
Seja como for, para além de algumas incorrecções científicas e apesar do excesso de generalização e da conclusividade de muitas das afirmações - que poderão vir a resultar em sancionamento disciplinar da magistrada - há que reconhecer que o tema deve ser debatido.
Não no sentido da justeza ou adequação das considerações, mas no sentido da liberdade de expressão das peças judiciárias.

Máximas

Cada uno es como Dios lo hizo, y aún peor muchas veces.

[Miguel de Cervantes]

20080809

O «morro» de Lisboa

Não se ouve nem vê particular crítica ou indignação, relativamente à operação do GOE que pôs termo ao sequestro do BES (está tudo a banhos, aparentemente mais preocupado com as férias ou a crise).
Não serei dos que, apressadamente, irei criticar essa actuação, provavelmente necessária.
O que aqui gostava de salientar é a anterior e subliminar «preparação» da opinião pública para a inevitabilidade de situações idênticas: foi o relembrar de uma situação anterior do GOE, que acabou com a morte de um cadastrado, há alguns anos, foi a ampla propaganda feita ao grupo de operações especiais do filme «tropa de elite», enfim, um adensar de elementos que levem a opinião pública a aceitar, acriticamente, este tipo de acontecimentos.
Foi, também - e isso há que reconhecê-lo - a oportunidade de dar o sinal de que as forças de segurança não fraquejam, nos momentos decisivos e que o crime - este tipo de crime - não compensa.

De facto, é correcta a afirmação de um princípio de intolerabilidade de pôr em perigo a vida de pessoas inocentes, através de actuações criminosas, como a que se assistiu. Se necessário, através da eliminação física dos agressores.
Mas, numa época em que tudo é escrutinado, será conveniente averiguar e esclarecer os termos em que foram dirigidas e conduzidas as negociações deste «incidente táctico», neste caso, levadas a cabo por parte da PSP, força tutelada pelo ministro da Administração Interna, que terá de prestar contas sobre a correcção da actuação e, de acordo com a avaliação, extrair daí as consequências.