20090207

As "responsabilidades" da Justiça

Nesta semana, dois episódios marcaram a vida das instituições de gestão interna das magistraturas.
No Conselho Superior do Ministério Público, o seu membro não magistrado, dr. João Correia (advogado) solicitou, de forma veemente, um inquérito ao MP e à PJ, no caso Freeport, com vista ao apuramento da violação do segredo de justiça, requerendo a nomeação de uma «Comissão» presidida por um membro do referido CSMP, com tal finalidade.
No Conselho Superior da Magistratura, o Prof. Costa Andrade, opinou que, em seu entender, os factos do Caso Freeport não lhe parecem assim muito difíceis de investigar, pelo que achava tempo excessivo para a duração da investigação.

No primeiro caso, parece haver uma mobilização injustificada do órgão de gestão do MP, com propósitos mais que duvidosos, até porque a «violação do segredo de justiça» já estará nas mãos de M.ª José Morgado.

As preocupações destes conselheiros são louváveis. Mas os motivos da preocupação é que são mais discutíveis.

A "morosidade" da investigação criminal é um dado sistémico, estrutural; nenhum deles o ignorava quando aceitou integrar os conselhos a que pertence. Têm, por isso, que assumir a conjunta responsabilidade do estado de coisas que se mantém, e pelo qual nenhuma preocupação jamais manifestaram anteriormente.

É que todos os problemas da morosidade (ou da falta de "celeridade") da investigação criminal, foram, oportuna e repetidamente denunciados, não pelo poder político (agora, aparentemente, muito incomodado com o estado de coisas), mas pelas entidades representativas dos profissionais do MP e da PJ.
A essas denúncias receberam uma resposta: «Façam melhor com os mesmos meios»; e nesse propósito, foi o PGR invectivado pelo Presidente da República aquando da sua tomada de posse. Julgava-se possível, efectivamente, melhorar o estado de coisas nalgumas áreas particularmente sensíveis da investigação criminal.
Vã ilusão.

Uma investigação criminal séria e consequente não se compatibiliza com o funcionamento - talvez deliberadamente, mas por, certo, sistematicamente - deficitário e insuficiente (apesar da boa vontade dos seus quadros) do Laboratório de Polícia Científica, do Núcelo de Assessoria Técnica da PGR e do Gabinete de Perícia Contabilística da PJ, entidades decisivas para a solução de inúmeros casos de criminalidade económico-financeira.

Uma investigação criminal séria e consequente não se compatibiliza com a demora nas traduções de cartas rogatórias e a falta de verbas para certas perícias.

Uma investigação criminal séria e consequente não se harmoniza com a falta de credenciação europeia de perícias laboratoriais solicitadas a entidades não oficiais.

É por isso que este quadro talvez seja muito conveniente a quem pretende descredibilizar o sistema de investigação criminal, apesar de ter responsabilidade directa (talvez exclusiva) nesse estado de coisas.
Desacreditada a "investigação criminal e a justiça", podem cometer-se todas as tropelias porque um sistema que as pretenda punir é, com efeito, um sistema caricatural, que não se pode levar a sério.

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