20071215

Notas contemporâneas sobre o «Casamento» - I (da autoria de J.C.)

Em 1983, com a entrada em vigor do actual Código Penal, o Estado mudou as definições de injúria e difamação.
As figuras são próximas, mas deixou de se considerar o elemento de distinção o facto de se tratar de uma imputação de factos ou um juízo de valor e passou a ser o traço de distinção o facto de a ofensa ser dirigida à pessoa directamente ou na sua ausência.
No entanto, de outra maneira, essa distinção entre a imputação de factos e a asserção de juízos de valor continua na lei.

No artigo 152º do Código Penal, na sua redacção actual o Estado deu a uma figura, o par de namorados, uma existência jurídica e uma definição que a trouxe do mundo do direito consuetudinário para o mundo do direito legislado: «pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação».
O Estado criou uma figura jurídica nova, o namoro.

O casamento é um assunto mais complexo.É uma figura perfeitamente definida de direito consuetudinário.
E, acima de tudo, é um sacramento.
O casamento pode ser definido como a consagração da união de duas pessoas de sexo diferente mediante a intervenção de um oficiante investido do simbolismo necessário e que também serve de tabelião (deve haver definições melhores mas esta serve por agora).
Esta definição é válida para um casamento religioso, de qualquer religião, ou civil (neste caso e conforme foi concebido o casamento civil, na nossa Lei pelos seus autores, e, entre eles, o Prof. Afonso Costa, a "deusa Pátria").
Por meio dessa consagração, uma mulher é atribuída a um homem, a quem dará filhos.
Nalguns casos o casamento é monogâmico e noutros não.
Nalguns casos, o direito de divórcio pertence exclusivamente ao homem, noutros a ambos os cônjuges.
Nalguns casos, o património (ou pelo menos a sua administração) é atribuída ao homem, noutros não, nalguns casos nas situações de divórcio o homem fica obrigatoriamente com a custódia dos filhos, noutros não.
Mas, no essencial, este sacramento tem dois efeitos jurídicos fixos: estabelece um património comum (mesmo nos casos de separação de bens há sempre um património comum, é a vida, e se não o estabelece em vida estabelece na morte, pois os filhos são herdeiros de ambos os pais - e há também essa coisa estranha de os cônjuges serem herdeiros um do outro).
Estabelece a paternidade dos filhos do membro feminino do casal. Porque, basicamente, a Lei trata da paternidade legal e não da paternidade biológica.
É o que lhe compete tratar. E estas podem ou não coincidir.
Num regime como o nosso, derivado da concepção de casamento romana, o livro do direito da família abre com o capítulo do casamento e depois passa ao da filiação.Logicamente.
A paternidade legal não tem de coincidir com a biológica.

Para começar, a presunção de paternidade do marido da mulher casada, que a partir de 1978 passou a ser ilidível mas até a essa data não o era.
E não é só no regime de casamento herdado do direito romano: quando Tito Vespasiano finalmente arrasou Jerusalém e acabou com as Guerras da Judeia, muitas mulheres ficaram viúvas e outras solteiras por os homens terem morrido. Mas como foram sistematicamente violadas pelos soldados romanos tiveram filhos. Às Altas Instâncias da Lei e da religião (o que era o mesmo), pôs-se a questão de saber se essas crianças eram judias, posto que na maioria dos casos haveria pelo menos a dúvida de que o pai não fosse judeu.
Com bom senso as Altas Instâncias decidiram que judeu era o filho de mulher judia. Ainda é assim. Consulte-se o evangelho segundo Mateus e a sua abertura com a herança genealógica de Jesus para apreciar a importância da questão da paternidade legal na sociedade da época (pelo menos naquela).

Mas, perguntar-se-á, e a União de Facto?Mas esse é o próximo capítulo, as fórmulas do casamento actualmente.

J.C.

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