20070720

Saramago e a Ibéria

A minha filha mais velha chamava-lhe «senhor amargo», quando começou a ouvir falar do Nobel português, talvez por não entender bem o apelido (mas que era adequado, era).
Saramago - já não é de hoje - defende a Ibéria e o iberismo, acreditando que um destino português na «grande Espanha» só teria vantagens. A ideia é repulsiva para um certo nacional-situacionismo, mas também entendo que em tempos de queda de tabus, nada deve ser sagrado. É de saudar o debate.
Saramago pode ter muitos defeitos: ser arrogante e vaidoso, presunçoso, estalinista, iberista, etc.; ninguém o pode acusar de hipócrita. A frontalidade e a sinceridade são apanágio dele, como de muitos outros. E não é isso que o fará redimir de tudo o mais.
No D.N. de 18/7/2007, F. Venâncio chamou-lhe «traidor» com todas as letras. E em castelhano.
Na carta aberta que lhe escreveu, revela que, tendo sido convidado para uma conferência na Galiza lhe terão pedido que falasse em português. Saramago não falou em português, não falou em galego, mas sim em castelhano.
Eu também acho que isso foi uma dupla afronta.
É que Saramago não ganhou o Nobel a escrever em castelhano.

3 comentários:

Justa Causa disse...

Depois daquela história do William Somerset Maugham da Senhora Escritora que ficou célebre pela aplicção judiciosa do ponto e vírgula na sua escrita a ponto de o marido a ter trocado pela empregada doméstica sempre fui tocado pela curiosidade no que se refere ao relacionamento entre a escrita original a tradução de uma obra.
Como é que se traduz um ponto e vírgula do Inglês? Como é que se deixa a métrica de uma frase em supenso ou se a deixa cair no momento destinado pelo autor? Como é que se deixa no ar uma frase de sentido dúbio?
Quanto tempo levou o Vasco Graça Moura a fazer aquela monumental tradução de O Paraíso Perdido, de Milton?
Foi para mim um momento mau quando li Erle Stanley Gardner no original e pude verificar que o defeito não era do tradutor, o Meritíssimo escrevia mesmo mal.
Já quanto o Ryder Haggard não se pode dizer o mesmo. A Tradução de As Minas de Salomão por Eça de Queirós é muito boa, a ponto de se incluir nas obras selccionadas deste, mas o original não é nada mau e é um clássico do romance de aventuras.
Todos sabemos que em geral as traduções brasileiras são pouco cuidadas e muitas vezes obrigam à reconstrução da frase na língua original para perceber o seu teor.
Privilégio aliás não exclusivo das traduções brasileiras mas que nelas ocorre com mais frequência que nas portuguesas. Talvez seja porque as traduções brasileiras de destinam um público falante do português muito mais vasto que as portuguesas.
E é se calhar por isso, por estarmos habituados a más traduções brasileiras, que às vezes nos escapa a magnitude da literatura portuguesa originada no outro lado do Atlânico.
José Sarney, por exemplo, mas conheço mais e há de certeza ainda mais que eu não conheço.
É ou não Erico Veríssimo um dos grandes escritores da Língua Portuguesa?
Mas com toda a probabilidade chega-se ao ensino secundário aqui em Portugal e passa-se-lhe ao lado.
Talvez se devesse reflectir sobre esse tema agora que estamos na silly season e não há mais nada de sério para comentar.

Anónimo disse...

Não somos todos hispânicos - aqui os da "jangada" - e portanto espanhóis? Quem sabe onde estarei se o que era novo já envelheceu e os países (também eles, como os animais) se ressentem da arteriosclerose.Como respira Portugal? Pressinto um arfar, uma gosma, uns tiques de velho gaiteiro. A bengala já espreita...enfim sempre são 900 anos) Nada de definitivo me acalma e os momentos críticos são (quase sempre) reprodutivos.
Saudações de uma Grécia que já morreu, de uma Roma que já foi, de uma URSS que já expirou.
saudações da jovem jugoslávia que se finou tão cedo.E muitos mais cumprimentos da humanidade que flue e reflue insensível ao pequeno problema hispânico.
Aliás não sei se o amigo "Justa causa" não está querer dizer que Portugal é Brasil. Será isto uma boa tradução de parte do seu comentário ou, porventura, interpretei mal algum subtil signo.
Um abraço caro Guy
Arquimedes

Justa Causa disse...

Acho que este país era mais feliz se não passasse a vida a pensar se deve ou não existir ou se se deve suicidar.
Pensar nisso cansa.
Não deixa fazer outras coisas.
Úteis.
Pensei (e que trabalheira me deu pensar) que ao entrarmos para a UE essa questão da unificação da Espanha num só Estado tinha ficado lá mais para o século XIX (aliás lá para o século XIX é que havia espanholistas à beça, havia um que escrevia sobre as causas da decadência dos povos peninsulares, pelos vistos enganou-se)mas não, isto continua pelo século XXI adentro.
Há um prato que é conhecido como tradicional do Minho e que de facto é do Algarve, que é o arroz de frango.
A tradição já não é o que era.
Sugestões de trabalhos para férias:
Calcular quantos anjos cabem na ponta de um alfinete.
Averiguar historicamente se é verdade que os espanhóis em geral dizem z como TH e os outros falantes do castelhano (bem como os andaluzes) o dizem como s porque sua Majestade el Rei D. Filipe (seria o IV?) falava thopa de matha e a moda pegou.
Encontrar as restantes formas de fado perdidas na história (e que seriam pelo menos cinco!)que chegaram do Brasil com as três conhecidas mas que devem ter ficado presas no trânsito.
Ler a obra completa do Saramago (em Português, de preferência).