20070604

Find Maddie: double standards, «Échelon» e o alastramento dos «inimigos».

«Londres, 03 Mai (Lusa) - Os especialistas em telecomunicações britânicos que estão no Algarve a ajudar na investigação do desaparecimento de Madeleine McCann identificaram conversas em árabe a falar de uma "menina loira", revela hoje o jornal People.
As chamadas telefónicas onde era referida a "pequena menina loira" foram todas feitas em língua árabe num telefone pré-pago espanhol, adianta a edição dominical, que pertence ao grupo dos tablóides Daily Mirror e Sunday Mirror.
Segundo o jornal, nas conversas foram ainda encontradas referências a um homem alemão, a Marrocos, Holanda e Alemanha e ainda às travessias marítimas de Tarifa, de onde sai oito vezes por dia um barco com destino a Tânger, em Marrocos.
Estas pistas terão sido encontradas usando o "sistema espião Echelon", um programa que que consegue "ouvir palavras-chave e frases usadas em conversas telefónicas, e depois analisá-las", revela.
Os especialistas britânicos terão ainda percebido referências à visita dos pais de Madeleine na semana passada a Roma, onde foram recebidos pelo Papa Bento XVI, adianta.
Uma fonte próxima da investigação citada pelo jornal reconheceu que "a informação recolhida destas chamadas de telemóveis está a ser tratada muito seriamente", mas confessou que o facto de os telemóveis pré-pagos não estarem normalmente registados torna "difícil encontrar o rasto, o que é frustrante".
Mesmo assim, disse ao People que "pode ser muitíssimo importante" e indicou que a investigação pode virar-se para o Norte de África, onde uma turista norueguesa afirma ter visto Madeleine há três semanas em Marraquexe.
Mari Olli teria visto uma menina loira vestida de pijama num posto de abastecimento de combustível na companhia de um homem a quem terá perguntado em inglês: "Já posso ver a minha mãe?".
Dois agentes policiais britânicos especialistas em telecomunicações estão desde a semana passada na Praia da Luz para tentar identificar registos de comunicações de telemóveis que possam estar relacionados com o alegado rapto de Madeleine.
No passado, registos de comunicações por telemóvel encontrados pela polícia foram cruciais para provar a responsabilidade de Ian Huntley pelo homicídio de Holly Wells e Jessica Chapman, de 10 anos, em 2002 no Reino Unido.
Embora a polícia britânica esteja a colaborar e vários agentes tenham sido enviados a Portugal para ajudar nas investigações, as autoridades britânicas têm sempre recusado comentar o caso, alegando que a responsabilidade do inquérito é da polícia portuguesa


A notícia acabada de transcrever é uma autêntica «bomba jurídico-mediática» relativamente à qual, porém, ninguém dispensará mais do que um ou dois minutos de atenção (o tempo de a ler). Muito menos servirá de mote para um possível e oportuno debate sereno e sério em torno de questões como o papel dos serviços de informação e inteligence na investigação criminal, a cooperação judiciária internacional e os métodos especiais de investigação (p. ex. escutas telefónicas).
Com efeito, o rapto da criança inglesa Madeleine (há um mês) veio recordar esse pesadelo fantasmático que é o desaparecimento de crianças, e que paira(va) latente, apesar da digna, corajosa e persistente intervenção de Filomena Teixeira, mãe do Rui Pedro (o menino desparecido em 98 em Lousada).

No caso de Madeleine, os factos noticiados revelam que, afinal, mesmo sem suspeitos nem «arguidos» (figura estranha e tenebrosa, inventada por essa raça de gente pequena, preguiçosa e atrasada que dá pelo nome de "portugueses") fazem-se escutas telefónicas arbitrárias à escala mundial (de discutíveis resultados), e toda a gente aplaude, para tranquilizar o gáudio da turbamulta que, mais do que tudo, quer que se «faça alguma coisa», mesmo que se atropelem os mesmos «direitos», exactamente os «mesmos direitos» dos implicados num caso judiciário recente, em que se defendeu (sob a batuta de uma magnífica e bem orquestrada campanha político-mediática, cuja percurso ainda não terminou) a sua absoluta inviolabilidade, denegrindo-se a dignidade, a probidade e imagem pessoal e profissional dos investigadores.

Mas mais. Qual a validade - se não houver sido judicialmente autorizada, nos termos legais - probatória de tais registos de conversações telefónicas na Inglaterra? Em Portugal, tais escutas não são legalmente admissíveis, sendo crime a sua realização (art. 276.º do Código Penal português).

Portanto, a questão é mesmo essa: devem empreender-se todas as tentativas e mobilizar todos os recursos para esgotar as linhas de investigação num caso com estes contornos. Mas também nos outros que venham a suceder no futuro. Sem dúvida.
Mas estaremos dispostos a abdicar de um património normativo e civilizacional consolidado, que agora os supercivilizados e esclarecidos britânicos preferem ignorar, sob o pretexto de ineficiência das nossas autoridades?
O facto é que já deram mostras de o ter feito no caso do terrorismo. Agora, também no caso do desaparecimento de crianças. Amanhã em que situação?

O alastrar do espectro de «inimigos» (do direito) é uma sedutora tentação para aqueles que se propõem alcançar um estado de suposta segurança e eficiência investigatória, mas torna-se um flagrante retrocesso em domínios em que, bem recentemente, se rasgaram vestes pela sua inquestionabilidade.

A coerência, neste particular, é um valor como outro qualquer. Com o seu grau de relatividade, já sabemos. Não há valores puros e imutáveis.
Mas não ficará nada mal a quem andou a fazer figura de émulo dos «direitos fundamentais do arguidos» que agora se remeta a um prudente silêncio. Não é o meu caso. E, acreditem, não é por desprezar os direitos de defesa dos arguidos. Ao contrário: é por lhes pretender atribuir a sua real dimensão.

«Quem, para obter segurança, sacrifica a liberdade, acaba por perder as duas».

1 comentário:

Kamikaze (L.P.) disse...

http://incursoes.blogspot.com/2007/06/find-maddie-double-standards-chelon-e-o.html