«A pena de talião peca por míngua e peca por excesso. Por míngua, na medida em que nenhuma reparação repara a ofensa; por excesso, uma vez que a justiça ultrapassa nela o seu objectivo. O crime ilegal, numa problemática perspectiva de liberdade plena, compromete apenas o agressor. O crime legal, onde tal perspectiva é incontroversa, compromete toda a sociedade, que nessa maciça, fria e desmedida resposta ao agravo dum só se exautora e condena. Com o arsenal de meios coercivos de que dispõe - cadeias, penitenciárias, reformatórios, etc., etc., - que necessidade tem ela de suprimir o que pode eficientemente neutralizar? Por acreditar no poder frenador dos espantalhos? Por não acreditar na regeneração do culpado? Por estar segura da inteira responsabilidade dele? Ou, simplesmente, por ter ainda saudades de uma ancestralidade nevoenta em que o religioso, o supersticioso e o impiedoso se confundiam?
(...)
A tragédia do homem, cadáver adiado, como lhe chamou Fernando Pessoa, não necessita dum remate extemporâneo no palco. É tensa bastante para dispensar um fim artificial, gizado por magarefes megalómanos, potentados, racismos e ortodoxias.»
Miguel Torga, Pena de Morte.
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