20071020

Regresso a Moçambique (nota I).

«O exílio é o regresso a um lugar onde não se teve infância».


A sustentabilidade de um regresso é sempre uma coisa sensível. Quando se trata do regresso à terra natal, onde se viveram tempos de infância e adolescência, a sensibilidade aumenta de forma vertiginosa.
De uma vaga ou clara ideia do que fica, não se pode esperar reencontrar o que se deixou, sobretudo como se deixou. E a sustentabilidade dos registos da memória das pessoas, dos lugares, das paisagens, dos cheiros, é algo que varia. Reencontra-se o cheiro da terra, dos cozinhados, reencontra-se aquela árvore, aquele caminho, aquele edifício, alguns quase como eram, outros modificados, alterados por gestos de outros gostos, de outros sentimentos.

Estava avisado para evitar o saudosismo de um regresso melancólico a um ambiente perdido para sempre.
Moçambique está - passe o pleonasmo ou a desmentível ironia - um país "mais africano", ou mais «africanizado». Para o pior e para o melhor. Após vinte anos de «socialismo científico» e de dez anos de guerra civil altamente destrutiva, o país poderia estar pior. As infra-estruturas urbanísticas anteriores à independência permitiram aguentar uma pressão demográfica nas maiores cidades que, de outra forma, teria tornada muito mais críticas as condições de vida das populações, ao que acresce os esforços de reconstrução e reabilitação do património edificado e degradado durante a guerra.

De facto, após os acordos de Roma, parecia que toda a gente estava apostada na reconciliação, na reconstrução. Mas, passado esse ímpeto genuíno, de vontade de mudar e de desenvolver o País, parece que as pessoas se rendem aos esquemas do dinheiro fácil, do «desenrascar a vida» mais preocupante e da forma mais generalizada (ou institucionalizada), que a ausência de exemplos vindos «de cima» torna tolerável para com todo um modo de viver, que infelizmente se vai impondo como regra dos «novos tempos».
Os moçambicanos falam, hoje, entre si - mais do que no tempo colonial -, o português. Mas fazem-no já com uma indisfarçada e despreocupada «norma moçambicana», quer na sintaxe, quer na fonética, quer nos neologismos. Ficou-me, aliás, a ideia de alguns moçambicanos intuírem que o português (a língua portuguesa) foi (mais um?) legado colonial dispensável, dado estarem cercados de países anglófonos, e que, nesse contexto e na actualidade, o inglês seria incomparavelmente mais utilitário.

De todo o modo, Moçambique continua a ser um espaço magnânimo, pelas gentes, pelo território, pelo clima, pelas cores e pelo potencial de recursos humanos e naturais.

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